Conheça a trajetória do Leia Mulheres, clube de leitura finalista do Prêmio Jabuti na categoria Fomento à Leitura.
- Bárbara Valentine
- há 5 horas
- 4 min de leitura
O clube de leitura Leia Mulheres, criado em 2015 na cidade de São Paulo, transformou-se em uma grande rede de incentivo à literatura no Brasil e hoje está presente em mais de 100 cidades pelo país. Em 2025, o projeto, que celebra uma década, é finalista do Prêmio Jabuti na categoria Iniciativas de Fomento à Leitura.
A modalidade a que o projeto concorre foi criada em 2023 e tem como objetivo reconhecer iniciativas voltadas à população brasileira que despertem e fortaleçam o hábito da leitura. A categoria contempla projetos de caráter social, educativo, cultural ou tecnológico que contribuam para ampliar o acesso aos livros e à literatura no país.
Juliana Leuenroth é uma das fundadoras do projeto e a atual coordenadora da iniciativa que agora concorre ao Prêmio Jabuti. A jornalista, que é também formada em letras, relembra a trajetória da rede, que há uma década reúne leitoras e leitores. “O primeiro clube aconteceu em março de 2015, no ano seguinte à campanha da Joanna, foi assim que começou.”
A ideia surgiu a partir da campanha #ReadWomen2014, criada pela escritora e ilustradora britânica Joanna Walsh, que chamava atenção para a desigualdade de gênero no mercado editorial. Inspiradas pela proposta, Juliana Gomes (Juju), Michelle Henriques e Juliana Leuenroth decidiram criar a iniciativa no Brasil. “Na época, a Juju trabalhava numa livraria e propunha eventos. Ela falou: ‘Poxa, vai acabar a ação da Joanna Walsh… podia ter uma coisa presencial com essa proposta, né?’ Então, a gente criou o Leia Mulheres aqui em São Paulo. O primeiro clube aconteceu em março de 2015”, relembra Juliana.
O que começou em uma livraria na capital paulista logo se espalhou. “A gente achou que só iam nossos amigos, mas apareceram pessoas que tinham visto a divulgação. A dona da livraria gostou tanto que quis levar ao Rio. Depois, amigas em Minas e em Curitiba também começaram a organizar encontros. E aí criamos uma página no Facebook para divulgar as agendas das cidades.” O método nasceu nesse processo de multiplicação: os encontros seriam mediados exclusivamente por mulheres, garantindo protagonismo feminino nas discussões. Hoje são mais de 400 mediadoras. Cada filial organiza sua própria dinâmica. Na unidade carioca, por exemplo, os encontros acontecem sempre na Blooks Livraria, em Botafogo.

Encontro de fevereiro do Leia Mulheres Rio de Janeiro sobre o livro ‘Oração para Desaparecer’, de Socorro Acioli, realizado na livraria Blooks, com grande participação.
Apesar de alcançar milhares de leitores em todo o país, o Leia Mulheres segue sustentado pelo trabalho voluntário de suas mediadoras. Leuenroth coordena nacionalmente o projeto, mas faz questão de ressaltar sua natureza coletiva: “O Leia Mulheres só existe por conta dessas mulheres que fazem acontecer em suas cidades.” Ela expressa o desejo de que a iniciativa possa apoiar mais as mediadoras, inclusive financeiramente. “A gente não tem braço para ir atrás desses apoios, e mesmo com 10 anos, o projeto ainda é incipiente nesse aspecto”, reconhece.
Cada clube nasce da vontade de mulheres que se organizam por conta própria e a ausência de recursos impõe limites. “O fato de ser voluntário faz com que muitas coisas escapem, porque todas nós temos outros empregos e responsabilidades”, explica. Ainda assim, ela não perde de vista o sonho de ampliar o alcance da iniciativa: “Gostaria de ter recursos para visitar os clubes pelo Brasil, entender suas necessidades. O desafio é encontrar parcerias que não descaracterizem o Leia Mulheres, cujo objetivo principal é o incentivo à leitura e a valorização das mulheres.”
A literatura de autoria feminina
O crescimento do projeto coincidiu com uma onda de debates feministas no Brasil e no mundo. “Não inventamos nada, mulheres sempre escreveram. Mas naquele momento muitos grupos de leitura e de escrita de mulheres ganharam notoriedade. Hoje há até editoras que publicam apenas autoras ou que privilegiam suas vozes.” E se no início era difícil encontrar diversidade de nomes para montar a programação anual, hoje o desafio é outro: “É um super problema bom. Temos só 12 meses no ano e não dá para ler tudo.” Conta a mediadora sobre o aumento de obras de autoria feminina publicadas nestes 10 anos. De acordo com o site de autopublicação Clube de Autores, 44% dos livros lançados em 2022 foram escritos por mulheres, um crescimento de 10% em relação a 2021.
Entre as autoras citadas por Juliana estão Eliane Marques, que escreveu o romance Louças de Família, definido por ela como “uma das coisas mais bonitas que li em muito tempo”; Mata Doce, de Luciana Aparecida e Annie Ernaux, recomendada com Uma Mulher, relato sobre a mãe da escritora que enfrentava o Alzheimer. “É muito bonito. Meu preferido dela é Os Anos, mas Uma Mulher é ótimo para começar.”
Em momentos de comemoração, o clube também convida autoras para encontros presenciais. Foi o caso de Aline Bei, que participou de uma edição em São Paulo quando lançou O Peso do Pássaro Morto. O espaço ficou lotado, e a autora chegou a autografar livros por três horas.
“É o mais democrático que tem. Você não precisa ser autoridade. Se junta você e mais três amigas, já é um clube que dá discussão e incentivo.”
A pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, do Instituto Pró-Livro, realizada em 2024, revelou que a parcela de brasileiros considerados leitores caiu de 59% para 53%. Diante desse cenário, clubes de leitura organizados por instituições e coletivos autônomos surgem como alternativa para estimular o hábito.
Segundo Juliana, trata-se de um “trabalho de formiguinha”. Ela cita o exemplo de uma participante de São Bernardo do Campo que lia um ou dois livros por ano e, após se engajar no Leia Mulheres, passou a ler mais de dez. Com o tempo, tornou-se mediadora e incentivou a própria mãe, antes distante dos livros, a começar a ler. “Esses clubes mostram como a leitura pode ser contagiante. As pessoas entram tímidas, mas acabam se engajando e ampliando muito o número de livros lidos por ano”, afirma.
Ela também ressalta o caráter acessível do formato: “É o mais democrático que tem. Você não precisa ser autoridade. Se junta você e mais três amigas, já é um clube que dá discussão e incentivo.” Os impactos são muitos, incluindo o surgimento de novas autoras: “Essas mulheres, ao entrarem em contato com a literatura produzida por mulheres, percebem que elas também podem escrever.”
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