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Apesar das "trends aesthetics", são as mulheres negras que dominam a arte de comunicar a moda periférica

Atualizado: 8 de ago.

Por: Laíse Ribeiro


Seja nas letras poderosas das músicas de Tasha e Tracie ou nos vídeos da página de Instagram e Tik Tok de Carol Valle, a moda periférica é comunicada, expandida e valorizada como arte pioneira e empoderamento para meninas negras.


Tasha  e Tracie Okereke no 2023 BET Hip Hop Awards (Foto: Marcus Ingram/Getty Images)
Tasha  e Tracie Okereke no 2023 BET Hip Hop Awards (Foto: Marcus Ingram/Getty Images)

Eu sei que você viu ou participou das diversas trends nas redes sociais que mostravam acessórios e estilos, anteriormente marginalizados por serem usados por pessoas periféricas, como tendência moderna. “Brazil core”, “estilo de cria”, “mandrake”, “nevou”, essas palavras te dizem algo? Você sabia que muito antes de virar “Aesthetic”, a moda periférica já era comunicada por quem vive e vê diariamente? A palavra, que não tem nada de brasileira, explodiu nas redes em tradução livre significa estética, algo agradável, harmônico. Sejam os grandes brincos de argola, as mini saias e camisas de time, pêlos do corpo descoloridos ou o famoso nevou - técnica de platinar o cabelo, muito usada por meninos das periferias - muito antes de serem usados como tendência por seus influencer favoritos, já eram disseminados cultural e artisticamente nas periferias brasileiras. 


Em um trabalho que mais se parece um descobrimento do que já existe, as redes têm impulsionado esses conteúdos, principalmente quando feitos por influencers brancos. No entanto, comunicar a moda periférica já é uma prática de meninos e meninas negras há bastante tempo. As gêmeas rappers Tasha e Tracie, por exemplo, já vem fazendo esse trabalho de glorificação e exaltação da moda criada e vivida nas periferias há muito tempo. Elas fundaram, em 2014, o Blog “Expensive $hit”, com o intuito de mostrar para as pessoas a maneira singular que elas viam e faziam moda. “Sobretudo vamos mostrar que é possível se vestir escandalosamente bem com MUITO pouco (muito mesmo) !” Esse é um trecho da apresentação das gêmeas em seu blog. Como objetivos da empreitada, solicitada por amigos, estão a moda sustentável, com as customizações como forma de se vestir bem e barato, além de quebrar regras através da mistura de cores, estampas e texturas. É nesse espaço que elas provam que há moda na periferia e que ela não precisa, se não quiser, fazer parte do mercado.


Foto: Reprodução/Expensive $hit
Foto: Reprodução/Expensive $hit

“E nem cobrem de nós que estejamos total a par das novidades do "mercado”. não fazemos parte dele, ainda.” Parte do texto de apresentação do blog.


Tracie Okereke é uma das mais expoentes rappers brasileiras. Junto a sua irmã Tasha, dominam as plataformas de música a cada lançamento. As gêmeas são aclamadas pelas letras potentes, mas é inegável a influência delas na moda que é disseminada e comunicada nas periferias brasileiras. Na saga de comunicar a moda que faziam, viam e amavam encontraram muitas dificuldades. Comunicar online naquela época não era fácil e muito menos barato. "A gente não tinha internet na época, então a gente usava moldem de celular, os nossos amigos ajudavam, a gente fez um pouquinho na casa de cada um, a gente usava lan house. O começo foi de muito esforço, a gente fazia uma pesquisa enorme no celular e depois passava para o computador”, conta Tracie. No entanto mesmo em meio as dificuldades elas seguiram o caminho porque sentiam o orgulho e a importância do trabalho que estavam realizando. Para elas e para as outras meninas negras. 


"Sempre foi uma questão para a gente a moda como uma coisa que enchia nossos olhos e que transmitia orgulho porque a gente sempre conviveu no meio de pessoas de muitas etnias com o restaurante do meu pai, a gente saia da quebrada e ia pro centro”.


“A moda é elitista”

Tracie conta que ela e a irmã costumavam ouvir que estavam sempre arrumadas demais para as ocasiões. Sentiam que aqueles questionamentos estavam atrelados a elas serem de periferia, como se aquele lugar de estar bem vestidas não pertencesse a elas, indicando então que seu lugar deveria ser o de mais "humildade", subserviência. “A moda é um meio muito elitista. Rola uma imposição sobre quem pode o quê e uma ideia de que só pode vestir roupa diferente artista, mas até artista é criticado quando veste uma roupa diferente”, relata.


Desde 2014 elas vem virando essa chave através de seu visual e principalmente através das letras de rap. Em “arrume-se comigo”, as gêmeas trazem uma música que mais uma vez trata de moda periférica e as formas de ser e existir enquanto mulheres negras que gostam de se vestir bem. A música soa como uma verdadeira expansão do “Expensive Shit”, é como se o blog virasse um beat envolvente acompanhado de uma caneta pesada em uma conversa de irmã mais velha, mostrando para uma adolescente como se vestir, a importância de se manter fiel as suas origens e as formas de customização que te fazem não só bonita, mas autêntica, agregando um valor que aquela peça anteriormente não tinha. Mostrando que a moda periférica também é lugar de sustentabilidade autentica. 


“Camisa de time, cortei e fiz de cropped, valia 300, vira 10K com meu toque (plim)” 

trecho de “Arrume-se comigo”



Você, garota negra, já se enxergou em uma capa da revista capricho?

Tasha & Tracie em ensaio de capa da capricho de julho. Isabelle Índia/capricho (Reprodução Capricho)
Tasha & Tracie em ensaio de capa da capricho de julho. Isabelle Índia/capricho (Reprodução Capricho)

Se você foi uma adolescente que viveu nos anos 2000 com certeza sabe do que estamos falando. As revistas Capricho eram febre e sonho de consumo entre as meninas da época. Mas se você era uma menina negra e periférica, se enxergar em uma daquelas capas era praticamente impossível. Recentemente Tasha e Tracie puderam realizar esse sonho que era delas e de várias outras meninas negras: Elas estamparam uma capa da Capricho. A edição especial de julho de 2025 exaltou em sua capa a beleza das gêmeas, quebrando mais um padrão e se tornando o novo “Colírio capricho”.


"Eu tenho 30 anos então eu vivi a época da Capricho então eu desejei muito isso. Foi a realização de um sonho e uma utopia porque eu vi varias minas também chorando, vários fãs que não tiveram essa oportunidade de se enxergar. Pra mim significou muito, pra minha criança interior”, relata Tracie.


“Aminas modernas”


Foto: Divulgação Tasha e Tracie
Foto: Divulgação Tasha e Tracie

Em seu último lançamento, “Amina”, Tasha e Tracie trazem a história de Amina, a rainha guerreira de Zazzau. Ela foi uma rainha que comandou Zazzau, hoje Zaria, na Nigéria, por 34 anos. Provando que mulheres também podem conquistar e desbravar territórios, a guerreira expandiu seu território e criou rotas comerciais, tendo grande êxito em seu reinado.


Foi a partir dessa história que nasceu a música das gêmeas, que se tornou um hit entre os mais ouvidos das plataformas de aúdio atualmente. A ideia das irmãs era criar as “Aminas modernas”. “Traduzir como se fosse no mundo moderno, fazer um paralelo com o quanto a gente tem desbravado regiões, áreas de profissões, lugares e acessos”, revela Tracie.


“Amina, domino essas rua igual Zazzau”
Foto: Reprodução Carol Valle
Foto: Reprodução Carol Valle

E para além da música, as “Aminas modernas” também vêm conquistando o mundo digital. Das ruas de Baurú, interior de São Paulo para o as plataformas digitais, Carol Valle cresceu e ainda vive na periferia. Ela sempre foi muito de se perguntar o porque das coisas e via nas ruas de seu bairro a forma como as pessoas se vestiam e se comunicavam através das roupas. A partir daí surgiu a ideia de entender melhor como e porque aconteciam aquelas tendências e modos de ser e estar tão particular e criativo. Porém, mesmo sentindo essa necessidade, Carol não se enxergava nos conteúdos sobre moda que via na internet e entendia que aquela comunicação não trazia a moda periférica em sua essência, como ela via e vivia diariamente. Ela então resolveu tomar as rédeas da situação e fazer sua própria comunicação.


Carol lembra que seu primeiro video viral foi uma critica as tendências que são consideradas bonitas apenas por estarem sendo usadas por influenciadoras famosas e em sua maioria brancas. Alimentando assim uma lógica de consumo desenfreada, que esconde diversos discursos e práticas perigosos. Com quase 330 mil seguidores no Instagram, a influencer tem dominado o terreno quando o assunto é comunicar a moda periférica em suas diversas nuances, inclusive a moda que abrange o Hip Hop e suas essências na periferia e influências na moda feita por lá. “O Hip Hop é importante para a moda periférica e para o contexto da periferia”, afirma a influenciadora.


“Eu gosto de pensar que a moda é uma forma de comunicação”

Carol conta que sempre viu a moda como uma forma de comunicação não verbal. Ela enxerga que, principalmente no contexto periférico, a forma de se vestir conta quem aquela pessoa é ou o que ela gostaria de expressar naquele momento. Seu estado de espírito. Carol vê que quando uam pessoa, que anteriormente era tratada como inferior por ser periférica alcança o desejo de comprar uma roupa, tênis ou óculos, mesmo que falsificado ou não, parecido com que algum cantor, Mc ou famoso usa, ele se sente pertencente ao espaço, adquire uma identidade. “Muitas pessoas trabalham por muito tempo para poder comprar uma peça de roupa”, afirma.




A influenciadora traz uma provocação ao tratar do termo moda periférica, apontando que ela é plural e diversa. Não existindo apenas os “crias” do Rio de Janeiro ou os “mandrake” de São Paulo. É a partir desse pensamento descentralizado e fora do eixo que ela entende que existem as próprias referências dentro de cada contexto. “A gente não pode pensar a moda periférica como só de São Paulo ou do Rio, a moda periférica vai variar conforme a região.


E quando se trata de inspiração, Carol percebe que cada famoso ou Mc que fez parte de alguma trajetória de sua vida pode se encaixar nessa nuance. No entanto, ao tratar de moda periférica, ela tem a rapper Ajúlia Costa, que também é proprietária da loja “‘AJC Shop”, como grande referência de moda e visão de rap. “Esse ano eu consegui comprar uma roupa dela, então é uma baita referência para mim, assim como as gêmeas Tasha e Tracie”, conta Carol.


Foto: Reprodução Carol Valle
Foto: Reprodução Carol Valle

Pensando em sair da ideia de marginalização em que foi colocada a moda periférica, Carol também é estudante de comunicação, cursando publicidade. Pensando em formas de sair da ideia de marginalização em que foi colocada a moda periférica, ela vê que há uma ausência da mídia em tratar desse assunto de forma séria e comprometida. Ela entende que a mídia independente pode ser uma resposta para essas ações, já que muitos dos comunicadores independentes vem de periferias e ou são racializados. Porém entende que é preciso haver uma contrapartida das marcas, já que algumas desejam não ter seu nome atrelado a funkeiros, por exemplo. “Muitas marcas as vezes não querem se associar com esse público e eu vejo que isso é triste, pois a marca é consumida, mesmo se falsificada ou não. A marca é vista”, finaliza Carol.


 
 
 

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